21 de junho de 2012

Da erva-mate à erva: Governo uruguaio quer produção e comercialização estatal da maconha

Da erva-mate à erva: Governo uruguaio quer produção e comercialização estatal da maconha
"Uruguai, consumidor de erva-mate, permitirá consumo da outra erva, a cannabis sativa"

O governo do presidente José 'Pepe' Mujica anunciou nesta quarta-feira um projeto de lei para legalizar e regular a venda da maconha no Uruguai. O objetivo é combater a pasta base - droga que o governo considera que está provocando um aumento da criminalidade - por intermédio de um deslocamento do consumo de drogas para a maconha, menos nociva. O governo Mujica pretende, desta forma, infligir um duro golpe ao crescente narcotráfico, já que o business da maconha ficaria nas mãos do Estado uruguaio, que plantaria a cannabis sativa em fazendas próprias. Além disso, aplicaria penas de quatro a quinze anos de prisão para os traficantes de pasta base.
O ministro da Defesa, Eleutério Fernández Huidobro, afirmou que o Estado uruguaio controlará a produção e comercialização da maconha.
O produto da colheita seria industrializado em formato de cigarros que seriam posteriormente vendidos por uma rede de quiosques estatais.
Os preços da maconha estatal uruguaia seriam regulados e teriam impostos específicos. No entanto, a venda não seria livre. Somente os maiores de 18 anos que se registrem em uma lista oficial de consumidores poderão adquirir os "porros" (gíria nos países hispanofalantes para os cigarros de maconha). A cota, por pessoa, seria de 40 cigarros por mês. As pessoas que ultrapassem esse número seriam obrigadas a realizar um tratamento contra a dependência de drogas.
Em caso de aprovação do projeto do presidente Mujica no Parlamento, os impostos arrecadados com a venda dos cigarros de maconha seriam destinados ao financiamento dos tratamentos para recuperação dos dependentes de drogas. Os representantes do governo indicaram que ainda não definiram uma data exata para o envio do projeto de lei ao Congresso Nacional.
A intenção não é transformar o Uruguai em uma versão sul-americana da Holanda, país onde a comercialização de determinadas drogas está liberada também para os turistas. No caso uruguaio a venda seria destinada exclusivamente aos cidadãos residentes.
Além de elogios e críticas, nas redes sociais o projeto do governo foi encarado com ironia, incluindo fotomontagens do presidente Mujica com os dreadlocks do cantor jamaicano Bob Marley, um apologista do uso da maconha.
O projeto do governo, além da maconha, prevê um amplo de combate à violência, que também incluirá uma proibição à transmissão de filmes ou notícias policiais violentas que possam estimular atos agressivos nos jovens. Isto é: o consumo da maconha será legalizado. Mas, quem queira assistir "Kill Bill" do Tarantino enquanto na TV fuma um "porro" terá que colocar as barbas de molho.
Os canais de TV que transmitam imagens violentas sofrerão punições monetárias.
Além disso, o plano de segurança prevê o aumento em um terço das penas de prisão para policiais que participem de casos de corrupção.
O projeto sobre a maconha é parte de um plano amplo de combate à violência, que também incluirá uma proibição à transmissão de filmes ou notícias policiais violentas que possam estimular atos agressivos nos jovens.
Mujica foi um dos principais líderes da guerrilha de esquerda "Tupamaros" nos anos 70. Ele esteve preso - e foi torturado - ao longo dos doze anos da ditadura militar (1973-85). Com a volta da democracia, retornou a sua atividade de floricultor e aderiu à vida partidária. Depois de ter sido deputado, senador e ministro da agricultura, tornou-se presidente em 2010 com um discurso "market-friendly".
Carismático, o septuagenário presidente mora em uma espartana chácara na periferia de Montevidéu onde cultiva flores e hortaliças que vende aos mercados da capital uruguaia. Mujica - o presidente mais pobre de toda as Américas - desloca-se em um escangalhado Fusca modelo 1982.
UM PEQUENO PAÍS DE VANGUARDA - Discretamente, sem estardalhaço, desde o início do século vinte o Uruguai caracterizou-se por ser um país de leis de vanguarda na América Latina. Em 1907 aprovou a lei de divórcio (sete décadas antes de todos seus vizinhos); em 1915 implementou a jornada de oito horas de trabalho; em 1932 tornou-se o segundo país das Américas a conceder o direito de voto às mulheres (o primeiro foi os EUA). Um século depois das primeiras leis o país continuou com sua tradição de vanguarda ao transformar-se em 2007 no primeiro Estado latino-americano a contar com uma lei de união civil entre pessoas do mesmo sexo em todo seu território.
Em 2008 o Parlamento uruguaio aprovou uma lei que castiga os pais que inflijam punições físicas a seus filhos. Em 2009 o Parlamento abriu as portas para a adoção de crianças por parte de casais homossexuais. A comunidade gay uruguaia também foi beneficiada em 2010 com o fim das restrições à entrada de homossexuais nas Forças Armadas.
Em 2010 o Parlamento também aprovou a lei de despenalização do aborto. No entanto, a lei foi vetada pelo presidente Tabaré Vázquez, que alegou questões éticas médicas (ele foi o principal oncologista do país).
Além disso, o Uruguai e considerado o país mais laico das Américas. O juramento de posse do presidente exclui qualquer referência a Deus já que ele jura por sua honra pessoal e a Constituição. Não há crucifixos no Parlamento, sequer nas repartições ou hospitais públicos. Os católicos "formais" (a maioria não e praticante) restringem-se a 47,1% da população. Outros 40,4% não possuem religião alguma.
MACONHA E UÍSQUE ESTATAIS - O mais famoso presidente da História do Uruguai foi José Batlle y Ordóñez, figura reverenciada pela direita, a esquerda e o centro. Ele implementou uma série de reformas políticas e econômicas que transformariam o pequeno país em uma nação de medidas de vanguarda. Além do voto feminino e da lei do divórcio, Batlle tambem tinha um lado visionário na área econômica, pois foi pioneiro na ideia de que o álcool seria o combustível do futuro. Por tabela, Batlle seria o responsável pela criação do único uísque estatal do continente americano.
Tudo começou em 1912 com a criação do Instituto de Química Industrial, cerne da futura Agência Nacional de Combustíveis, Álcool e Portland (Ancap), fundada em 1932. A ideia era produzir combustível. Mas, perante o alto custo das investigações para o álcool carburante, o governo decidiu produzir bebidas alcólicas que pudessem financiar a pesquisa.
Desta forma surgiram a 'grapa' e o aguardante da Ancap nos anos 30. E 1946, a estatal produziu a primeira garrafa de uísque, batizado, como corresponde, com nome escocês: "Mac Pay".
Único uísque estatal das américas, o Mac Pay nos anos 80 foi líder de mercado. Mas, a abertura comercial do Mercosul abriu as portas para marcas dos países-sócios e fizeram o scotch dos pampas perder terreno. No entanto, o Mac Pay resistiu e atualmente domina 13% do consumo (350 mil litros anuais), disputando com marcas internacionais de peso. Além disso, é exportado para o Chile e a Argentina.
O uísque é a terceira bebida alcólica mais consumida no Uruguai (3,3 milhões de litros), atrás do vinho (100 milhões de litros) e da cerveja (60 milhões). O volume de uísque per capita (um litro por habitante por ano), coloca o país na pole position do ranking de consumidores de scotch na América do Sul.
Caso seja aprovado o projeto de lei sobre a cannabis sativa, o Uruguai será o único país do mundo onde o Estado é, além de produtor de uísque, o distribuidor de maconha.

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